Crônica
Gontran Neto
Ele foi deixado
na rua covardemente. Como um caçador mantém-se vivo, um alimenta aqui, outro
dar água ali, os veículos desviam e na rua ele continua. Por vezes, se acomoda
na frente da antiga moradia, fechada e sem vida, ele grunhe, um choro baixo, lamentação
dolorosa. Iniciei uma relação de apego com este animal maltratado, a confiança
era o desafio para os dois. Comida, água, um local para deitar e se proteger da
chuva, do sol e dos canalhas da rua. Sem lenço nem documento, assim estava ele.
Rufito, foi o nome dado, já era um bom início, ninguém vive sem nome.
Na rua, convive
com alguns moradores do bairro, liberdade para ir e vir, não quer coleira.
Adotou a garagem como moradia, as vezes fica no telhado, deitado e a noite assume como segurança debaixo do carro. Tudo certo entre ele e eu, não havia nenhum
motivo para cortar as relações, eu cuidava dele e me sentia bem, ele se sentia
bem em ser cuidado
Neste
intenso inverno de sol escaldante e chuvas torrenciais, Rufito encontrava sua
coberta, e uma temperatura amena na sua atalaia temporária, entrava e saía sem
barreiras, a única grade entre ele e eu era a angustia, existe respeito retratado,
embora a vida lhe ensinou através da confiança traída não se aproximar, ou ter outro dono, a rua era o seu lar, e outros cachorros seus parceiros, e não
reclamava das “migalhas” para sobrevivência.
Um erro fatal, falta de
atenção. Debaixo do carro estava Rufito, aguardando o tempo melhorar, fugindo do vento
forte e gélido. Eu estava afobado, apressado, acelerei o carro, agoniante foi o grito, com
os vidros fechados e a zuada da chuva, escutei seu pedido de socorro desesperado
de dor. Marchei pra frente, tarde demais, atropelei duas vezes o meu amigo,
imaginei. Encontro Rufito no chão, coração
acelera, “matei meu amigo”, penso. E num ato desembestado, com a perna
encolhida, Rufito foge aos gritos, com dor e rumo ao nada. Morreu. Morreu? Sim, pra ele eu morri.
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